sábado, 18 de abril de 2009

Educação Matemática em Timor-Leste

Chateaubriand Nunes Amancio – UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados - cnamancio@ufgd.edu.br
Cleonice Terezinha Fernandes - CBS - Comissão Brasileira de Estudos e Pesquisa de Soroban – MEC/SEESP - cleo_terezinha@hotmail.com


Introdução

A República Democrática do Timor Leste – RDTL está ainda num processo de consolidação como a mais nova nação do século XXI, após 24 anos de ocupação indonésia, que veio seguidamente a independência de Portugal, em 1975.
No entanto, em 2007, o mundo assiste desolado, sobretudo a comunidade lusófona que vinha ajudando na reconstrução do país, a retomada dos conflitos ou de uma espécie de guerrilha urbana em Timor-Leste, o que faz, infelizmente, com que aquele país volte à mídia internacional por conta de suas mazelas, de seus conflitos internos, do renascimento da desavença entre os grupos Loromonu e Lorosa’e, de uma insatisfação política que revive os climas de guerra anterior a seu status de país independente.
O Brasil é um dos países lusófonos que desde 1999, data do término da ocupação indonésia, vem auxiliando a retomada do sistema educacional timorense através de ações educativas que se pautam na revitalização da língua portuguesa, em praticamente todas as áreas do conhecimento.
Em 2005 o Brasil enviou através da CAPES/MEC um grupo de 48 professores numa Missão Brasileira de Cooperação Técnico Educacional com o Timor-Leste. Naquele país desenvolveram as mais diferentes ações educativas distribuídos em dois grupos que atuavam distintamente: capacitação de professores no ensino secundário e na UNTL – Universidade Nacional de Timor Lorosa’e.
O subgrupo de matemática que era ligado ao grupo do ensino secundário teve a oportunidade de vivenciar práticas didático-pedagógicas em Educação Matemática, durante a experimentação de uma proposta de formação de professores de Matemática timorenses, realizadas pelo Projeto Piloto de Matemática viabilizado em parceria com o Banco Mundial - através do FSQP - Fundamental School Quality Project, e IFCP - Instituto de Formação Contínua de Professores.
Essa pilotagem foi de suma importância, na medida em que permitiu fazer uma pré-diagnose da realidade a ser enfrentada.

A pilotagem
Os professores do subgrupo de matemática foram inseridos na condição de observadores participantes, a convite do Prof. Dr. Chateaubriand Nunes de Amâncio, e passaram a integrar oficialmente o Projeto Piloto de Capacitação de Professores de Matemática, coordenado pelo referido professor, na ocasião, consultor do FSQP. A participação dos observadores participantes foi na condição de professores de Matemática da Missão Brasileira de Cooperação Técnico Educacional/Programa de Capacitação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa no Timor-Leste da CAPES/MEC/Brasil.
Antes da execução da Semana propriamente dita, fez-se uma pesquisa dos níveis de ensino do Timor, do seu programa curricular e, a partir disso, uma seleção das atividades que seriam desenvolvidas baseadas nos conteúdos matemáticos pré eleitos pelos próprios professores timorenses, os quais seriam doravante denominados de cursistas.
Uma das dificuldades iniciais foi saber que apenas os professores timorenses possuíam livros didáticos e que estes eram escritos em língua indonésia. Vale lembrar que o objetivo da capacitação era tratar em Língua Portuguesa os conteúdos matemáticos escolhidos, uma vez que era este o intuito principal da missão brasileira em Timor. Neste aspecto também é importante ressaltar que o Tetum, língua nativa de Timor-Leste não tem termos técnicos/científicos, de modo que conhecimentos específicos da linguagem simbólica matemática não tem tradução.
Depois de um estudo técnico assessorado pelo Professor Chateaubriand, o subgrupo de matemática da CAPES, aqui denominados observadores participantes do projeto Piloto - composto pelos professores Eliana Moreira, Luis Antonio Bernardino da Silva, Raimundo Castro, Saulo Furletti, Cleonice Fernandes e Sandra Rodrigues de Sá – resolveu escolher atividades, conforme anteriormente mencionado, as quais em seu propósito contemplassem os conteúdos previamente escolhidos pelos cursistas timorenses. Foram elas:
Visita ao Museu Art Moris, museu-escola gratuito para jovens timorenses, no qual até hoje oferta-se oficinas de linguagens cênica, musical, plástica e gráfica. Intenção prévia de conteúdo a ser abordado: proporcionalidade, geometria, perspectiva, escala, cores.
Confecção de uma maquete do IFCP, local no qual as aulas foram ministradas. Intenção prévia de conteúdo a ser investigado: tridimensionalidade, conceitos de aresta, face, vértices, polígonos e poliedros, noções topológicas, tratamento de área, volume, perímetro.
Estudo de uma Matéria de um jornal timorense, editado de maneira bilíngüe em Português e Tetum, denominado Lia Foun, datado de 08 de maio de 2005. Intenção prévia de conteúdo a ser tratado: fração, razão, proporção, porcentagem.

O que vale salientar da experiência com as atividades acima foram três aspectos:
Os desdobramentos possibilitados, abaixo enumerados;
O embate da questão do ensino e da matemática como atividades quase que antagônicas, na visão do timorense;
A rica troca de experiência, uma vez que conhecemos alguns algoritmos novos para nós ocidentais: o algoritmo da divisão e do MMC oriental, por exemplo.

Desdobramentos didático-pedagógicos:
Construção do pi, considerando a relação entre comprimento e diâmetro, a partir do uso de cartolina recortada de forma circular e retiradas de medidas usando barbante;
Construção do conceito de perímetro considerando a soma dos comprimentos dos lados de um polígono, discutindo tal conceito ao tratar-se do comprimento de uma circunferência;
Construção do conceito de área de polígonos, também a partir de cartolina, relacionando área com a contagem de quadrados tomados como unidades, levando tal relação ao cálculo de área de um círculo.
Construção do conceito de perímetro de polígonos.
Construção do conceito de fração e das quatro operações fundamentais, considerando a representação visual das mesmas;
Construção do conceito de razão a partir da idéia de comparação, e de proporcionalidade a partir da discussão da igualdade entre razões, bem como as respectivas propriedades envolvidas.
Classificação de poliedros a partir da planificação de sólidos.

Considerações possíveis
A visão do professor timorense, selecionado previamente pela direção do IFCP para participar da pilotagem, cujo critério de escolha foi aqueles que se destacavam no ensino da matemática, afinal não é diferente da visão do professor brasileiro tradicional, tão conhecido de nossa experiência pedagógica. Via de regra este também não vê necessidade em atividades práticas no ensinamento escolar da matemática, fato que atribuímos, sobretudo, ao modo, também tradicional, como é formado.
Uma frase célebre dita por um dos cursistas timorenses, por ocasião do evento aqui referido, encerra nossos apontamentos e abre, afinal, para um universo de questões: “nós sabemos matemática em Timor-Leste; o que não sabemos é português” ... A distância de quase dois anos da referida experiência nos permite completar: talvez nem nós professores brasileiros saibamos português – tomado aqui no sentido da comunicação em língua materna formal – para ensinar matemática aos nossos alunos de maneira mais lógica e prática. Talvez a dificuldade da “língua matemática”, o matematiquês, seja uma dificuldade nossa também.
As experiências acima citadas, desenvolvidas em Dili, capital de Timor-Leste, em abril de 2005, passaram a suscitar diversas reflexões, as quais trazemos para nossas práticas educativas de ensino de matemática. Tais reflexões já foram registradas em forma de Relato de Experiência pela Revista Linhas Críticas da UnB, cuja autoria foi atribuída a todos os observadores participantes anteriormente nominados; e na Revista Horizontes, conforme referência bibliográfica.

No ENEM, mais uma vez, buscamos compartilhar com nossos colegas preocupados com o ensino de matemática em situações atípicas e adversas, em contextos multiculturais, diante de uma demanda de formação continuada de professores que ensinam matemática.
Esperamos que, desse modo, possamos estimular futuras investigações em ambientes e situações semelhantes a que relatamos, no sentido de superar concepções que prevalecem entre matemáticos ou educadores, uma vez que tais experiências trazem à tona questões como, por exemplo: como nos colocar diante delas enquanto educadores matemáticos?
Para nós, algo que estamos ainda perseguindo, é como em nossas práticas educativas de matemática poderemos considerar o conhecimento matemático, tratado em ambientes formal e informal, como um importante meio pelo qual consciente e sensivelmente se pode educar as pessoas pela e para a PAZ.

Bibliografia

AMANCIO, C. N. Educação Etnomatemática no Timor Leste. In: Revista Horizontes: Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, v. 24, n. 1, p. 77-86, jan/jun 2006.

AMANCIO, Chateaubriand Nunes. Relatório de Educação Matemática em Timor-Leste, Fundamental School Quality Project/MECJD Timor-Leste, 2005.

FERNANDES, C. ; MOREIRA, E. ; SILVA, L. A. ; CASTRO, R. ; SA, S. ; FURLETTI, S. Uma Experiência em Educação Matemática no Oriente: Educadores Pensando Matemática no Timor-Leste. In: Revista Linhas Críticas: Revista semestral da Faculdade de Educação da UnB. Brasília: UnB, v. 11, n. 21, p. 303-316, jul/dez 2005.

TIMOR-LESTE. Ministério da Educação, Cultura, Juventude e Desporto. Currículo do Ensino Primário – Programa de Matemática, 2004.

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